sábado, 1 de janeiro de 2011

Cuidados nutricionais no idoso

O estado nutricional no idoso reflecte-se directamente na sua saúde e na qualidade de vida.

Apesar de raramente serem observados sinais óbvios de deficiências nutricionais no idoso, a baixa ingestão de alimentos, tão comum nesta faixa etária, pode levar à perda de peso não intencional e deficiências em micro nutrientes (vitaminas e minerais) com consequente impacto na saúde geral. Quando a ingestão de alimentos não é adequada para responder às necessidades nutricionais específicas do idoso, pode desenvolver-se um estado de mal nutrição, com aumento da morbilidade (fadiga, fraqueza muscular, anemia, imunidade diminuída, perda da integridade cutânea e diminuição da função pulmonar e cardíaca) e, em alguns extremos, da mortalidade.

Actualmente, sabe-se que o estado nutricional do idoso está fortemente correlacionado com a sua fragilidade, uma vez que o défice em micro nutrientes, como antioxidantes e vitamina D, contribui fortemente para o agravamento da debilidade do idoso na medida em que promove a perda de peso e de massa muscular não intencional.

Os resultados do estudo NutriaAction 2009, realizado pela Associação Portuguesa de Nutrição Entérica e Parentérica, alertam para a dimensão deste problema que se traduz em 25%, os idosos em Portugal com baixo peso, sendo que, destes, foram os idosos com menor peso os que apresentaram uma perda de peso mais acentuada nos últimos 3 a 6 meses.

O envelhecimento da população portuguesa tem vindo a acentuar-se nos últimos anos, sendo previsível que a população idosa, entre 2010 e 2015, ultrapasse em número a população jovem.



A População idosa representa uma parte significativa da população de utentes da farmácia que, pela relação de proximidade estabelecida com estes utentes é um local privilegiado para vigiar o estado nutricional do idoso, podendo fazê-lo abordando vários aspectos como: avaliação de risco de desnutrição, identificação de idosos que possam beneficiar de suporte nutricional e monitorização da eficácia do tratamento. Aos indivíduos idosos suspeitos de mal nutrição deve ser aconselhada a consulta médica ou de nutrição tendo em vista o diagnóstico o mais precoce possível.

Os suplementos nutricionais orais (SNO), actualmente disponíveis em grande diversidade, representam um importante recurso para a promoção do estado nutricional do idoso. São produtos que dão resposta às necessidades gerais e específicas da nutrição do idoso e destinam-se a ser utilizados sob supervisão médica. Estes produtos, cada vez mais presentes na farmácia, representam uma oportunidade para a intervenção diferenciada junto de idosos e cuidadores, mediante o aconselhamento para a sua melhor utilização e a monitorização da melhoria do estado nutricional do idoso.

A perda de peso e massa muscular no idoso tem como consequência a diminuição da força e da actividade física, logo diminuição do apetite e da ingestão de alimentos, agravando-se, mais ainda, o estado nutricional.

Circunstâncias que podem diminuir a ingestão de alimentos no idoso:

A ingestão de nutrientes depende do consumo alimentar que, no idoso, é influenciado por factores sociais, económicos, psicológicos, e por doenças ou terapêuticas.



Sociais:

Falta de suporte social que auxilie nas compras e preparação de refeições.



Económicas:

Falta de recursos económicos.



Psicológicas/Cognitivas:

Depressão, demência.



Metabólicas/Fisiológicas:

- Metabolismo alterado – diminuição do metabolismo basal, diminuição da massa corporal e da actividade física, com consequente diminuição das necessidades energéticas.

- Alterações neuro-hormonais – diminuição do apetite e saciedade precoce

- Alterações gastrointestinais – diminuição da superfície útil para absorção, de capacidade de transporte de nutrientes e motilidade intestinal, com consequente aumento do risco de obstipação.

- Intolerância à lactose – tendência para se desenvolver durante o envelhecimento por diminuição da actividade da enzima responsável pelo desdobramento da lactose.



Medicamentos:

Alguns medicamentos podem causar reacções adversas como: náuseas ou vómitos (ex: quimioterapia e anti-virais); diminuição do apetite (anorexia) (ex: alguns anti-epilépticos e metamorfina); secura da boca por diminuição da secreção salivar (xerostomia) (ex: anti-depressivos e anti-histamínicos); alteração do cheiro (disosmia) ou sabor (disguesia) (ex. calcitonina e amitriptilina, respectivamente); alteração do balanço electrolítico e de fluidos (ex: diuréticos e corticosteróides) ou alteração do estado mental (ex: acetazolamida).



Condições Clínicas:

Patologias associadas à diminuição do apetite (anorexia), ou testados hiper-catabólicos. Ex: cancro, depressão, doença gastrointestinal, hipertirodismo, infecção crónica, alcoolismo e patologias respiratórias.



Funcionais:

Dificuldade na ingestão de alimentos devido a alterações buço-dentárias, diminuição do apetite, paladar (atrofia das papilas gustativas) ou cheiro.



Estabelece-se assim um ciclo vivoso, que pode ser revertido com uma alimentaçãoo adequada ao idoso e prática de exercício físico ajustado.



Necessidades nutricionais especificas no idoso

O idoso tem, face ao adulto saudável, necessidades nutricionais específicas que devem ser tidas em conta de modo a obter o melhor equilíbrio nutricional. Deve ter-se em atenção alterações na necessidade de macronutrientes, menor necessidade de energia, mas necessidades idênticas de proteínas, vitaminas e minerais, e maior necessidade de fibra.

Embora com a idade e doença, a disponibilidade de alguns nutrientes seja alterada, a maioria dos micronutrientes não é afectada no que diz respeito à sua absorção e metabolismo. Assim sendo, as deficiências em micronutrientes que os idosos podem desenvolver são geralmente devidas à menor ingestão de alimentos e à baixa qualidade das escolhas alimentares.



Energia

No idoso as necessidades calóricas estão diminuídas. Em comparação com o adulto saudável que necessita de cerca de 2550 Kcal/dia, o idoso necessita de cerca de 1870-1980 Kcal/dia, no caso das mulheres, e 2200-2060 Kcal/dia nos homens. A restrição controlada de calorias pelo idoso é importante, pois está demonstrado, como tendo um efeito benéfico na protecção contra as doenças associadas ao envelhecimento como a diabetes e osteoporose.

Nos idosos com peso abaixo do recomendado, pode ser indicado aumentar o aporte de calorias.



Proteínas

As necessidades proteicas no idoso saudável são idênticas às de um adulto, devendo a ingestão diária ser 46g para as mulheres e 56g para os homens. No entanto, em situações de doença o catabolismo proteico é aumentado, sendo necessário aumentar a ingestão de proteínas para, pelo menos, 70 g por dia.



Hidratos de Carbono

As necessidades em Hidratos de Carbono no idoso são semelhantes às dos adultos, correspondendo a 40 – 60% do total de alimentos ingeridos ou cerca de 130g por dia.

Devem ser privilegiados os hidratos de carbono complexos, como o amido e a celulose presentes nas leguminosas e nos vegetais, cuja absorção é mais lenta.



Lípidos

A maioria dos idosos beneficia com a diminuição da ingestão de gorduras, que devem na sua alimentação representar cerca de 20-35% do valor energético total. No entanto, não devem ser desvalorizadas pois são importantes para melhorarem a palatilidade dos alimentos, e como fonte de energia. É de realçar a importância para o idoso de alimentos ricos em ácidos gordos essenciais ómega3 e ómega6 (presentes nos peixes gordos e nos óleos vegetais) reconhecidos pelas suas propriedades antiplaquetárias e de diminuição de colestrol e triglicéridos, por isso úteis, especialmente naqueles com elevado risco cardiovascular.



Fibras

O idoso deve ingerir por dia 20 a 35 g de fibras, pois estas auxiliam na prevenção de problemas de estômago ou intestinos, como obstipção, e ainda na melhoria do perfil lipídico bem como dos níveis de açúcar.



Vitaminas e Minerais

Em termos gerais as necessidades em vitaminas e minerais do idoso diferem pouco das recomendações para os adultos saudáveis, no entanto, é necessário ter em conta certas especificidades, nomeadamente no que diz respeito ao cálcio (1,2 mg/dia) à vitamina D (10-15 µg/dia), às vitaminas do complexo B com particular destaque para a vitamina B12 e também à vitamina E (15 mg/dia)³.



Vitamina D

No processo de envelhecimento há diminuição da síntese da vitamina D ao nível da pele, nos indivíduos sem exposição significativa à luz solar. Simultaneamente, há uma diminuição da absorção renal da 1,25-dihidroxivitamina D na sua forma activa.



Cálcio

Devido às baixas concentrações de vitamina D no organismo, ocorre uma diminuição da absorção de cálcio, o que pode causar hiperparatiroidismo secundário, osteomalácia, agravamento da osteoporose e aumento do risco de fracturas.

Vitaminas do complexo B

Este grupo de vitaminas é no geral sujeito a défices devido à desnutrição, problemas gástricos e hepáticos. Particularmente importante é o caso da deficiência em vitamina B12, devido ao risco de desenvolvimento da anemia, por diminuição da absorção nos indivíduos com gastrite atrófica, H.pylory, resecção gástrica ou sob medicação que reduza a secreção gástrica (antagonistas H2 e inibidores da bomba de protões).

Vitamina E

A deficiência em vitamina E, que pode resultar de desnutrição, doenças hepáticas e gastriestinais, pode ter consequências neurológicas e visuais graves para o idoso.

A suplementação com vitaminas pode ser benéfica para o equilíbrio nutricional do idoso. A evidência clínica comprova que a suplementação com cálcio, vitamina D e B 12, reduz o risco de fractura.

Quando ou em que situações iniciar a suplementação nutricional oral

A avaliação do estudo nutricional do idoso é uma oportunidade para o farmacêutico intervir na promoção da saúde e bem-estar da população idosa.

É importante que a equipa da farmácia esteja alerta para os sinais de desnutrição, como a perda de peso involuntária, cansaço, prostração, alteração cutâneas especialmente a nível da boca, etc.

Complementarmente, é possível recorrer a métodos de rastreio que podem ser ralizados por processos simples e rápidos, com aplicação a todos os utentes e que permitem identificar os utentes em risco nutricional.

Existem vários métodos de rastreio do estado nutricional publicados, de entre os quais se destaca o MUST (Malnutrition Universal Screening Tool), ferramenta universal para o rastreio da malnutrição desenvolvido pela BAPEN (Associação Britânica de Nutrição Enteral e Parenteral), método simples, rápido e fácil de aplicar, validado internacionalmente e com boa reprodutibilidade mesmo de profissinal para profissional.

Pode ser fácil e rápido de aplicar, pode ser usado, na prática por um grande espectro de profissionais de saúde.

Este método considera alterações de peso, relação entre o peso e a estatura actual e a presença de uma doença grave. No final, classifica o indivíduo consoante o seu risco de desnutrição e define a estratégia de cuidados a adoptar.

Outro método simples e rápido, é o MNA (Mini Nutritional Assessment). Dsenvolvido pela Nestlé em associação com geriatras, é actualmente o método recomendado pela ESPEN (European Society for Clinical Nutrition and Metabolism) para a avaliação de idosos com risco de desnutrição.

O MNA foi especificamente validado para ser utilizado na população idosa e tem em consideração aspectos determinantes nesta população, com destaque para a autonomia do indivíduo. Tem sido validado em estudos internacionais e está disponível em várias línguas, incluindo o Português.

A aplicação de questionários de avaliação do estado nutricional permite, não só despistar e intervir precocemente em situações de risco de desnutrição, mas também monitizar os resultados após uma intervenção nutricional com ou sem introdução de SNO.

Os SNO, são na sua maioria, formulados com macronutrientes (lípidos, proteínas e hidratos de carbono) no entanto, são incompletos do ponto de vista nutricional o que faz com que se destinem a complementar a alimentação e não a substitui-la por completo. No que diz respeito à sua composição a maioria não contém fibras, lactose ao glúten, pelo menos em quantidades significativas, alguns contêm vitaminas, minerais e oligoelementos que fornecem cerca de 25% das necessidades recomendadas. Um do requisitos para a prescrição de SNO é a de o doente ter uma função gastrointestinal conservada ou quase.

Os SNO dividem-se em completos e modulares, estes últimos distinguem-se por serem concentrados de macronutrientes utilizados para fortificar dietas de alimentos correntes com um macronutriente específico, por exemplo proteínas ou glucidos.



Aconselhamento aos utentes



Recomendações com vista a melhorar o estado nutricional:

Aumentar a ingestão de alimentos com elevado teor em energia/proteínas, como pudins e batidos;
Suplementar as refeições habituais com snack's adicionais e leite;
Realizar exercício físico adequado;
Se a alimentação habitual do doente não melhorar, podem ser necessários suplementos nutricionais orais;
Para melhores resultados na utilização dos SNO, deve servi-los frios num copo para obter um melhor paladar e utilizá-los no intervalo entre as refeições e não como substituto ou em simultâneo com as refeições;
Reforçar a importância da ingestão de água, com o envelhecimento o idoso pode perde alguma da sua sensibilidade para a sede. Incentivar a beber mesmo quando não sente sede, ingerir cerca de 6 a 8 copos de água por dia. Regular a necessidade de água, tendo em conta a cor da urina.


Utente com falta de apetite:

Aconselhar que à refeição esteja sempre que possível acompanhado;
Verificar se algum dos medicamentos que toma diminui o apetite ou sabor dos alimentos;
Preferir ingerir pequenas quantidades de alimentos às refeições mas aumentar o número de refeições ao longo do dia;
Melhorar o sabor dos alimentos adicionando condimentos novos.


Utente com dificuldade na deglutição:

Alimentos a evitar: carne, excepto se for bem cozinhada; fruta fresca; vegetais não cozinhados; pão húmido que se cole às mucosas; iogurtes de fruta com pedaços de fruta;
Servir a comida em pequenas quantidades, evitar o efeito intimidatório das grandes quantidades;
É importante ter líquidos perto durante a refeição.


Cuidados na preparação da alimentação e na assistência à alimentação a indivíduos incapazes do o fazerem:

Manter o idoso bem sentado, costas direitas;
Colocar o prato perto da mão, para que possa alcançá-lo facilmente;
Confirmar que consegue ser ouvido e sentar-se a um nível a que o idoso o consiga ver;
Antes de o começar a alimentar, deixar que o idoso só cheire, veja e prove a comida para encorajar a salivação e aumentar o seu apetite;
Evitar o contacto da colher com os dentes, e colocar pequenas quantidades de cada vez;
Colocar comida no meio da boca, no início da língua e puxar a língua para baixo (este movimento impede que a língua caia para trás e não permita a salivação);
Dar bastante tempo para a mastigação e degluti nação, assegurar-se que a boca está vazia antes da porção seguinte;
Deve manter o idoso numa posição vertical pelo menos 20 minutos após o final da refeição.


Conclusão

Tendo o conhecimento sobre as necessidades nutricionais do idoso e sobre os produtos se SNO existentes, a equipa da farmácia, pode através da avaliação do estado nutricional do idoso, identificar um desequilíbrio alimentar ou um risco e desnutrição, podendo recomendar os suplementos nutricionais adequados, que serão da maior utilidade na prevenção e no tratamento de situações precoces de malnutrição.

A detecção de estados de desnutrição permite o encaminhamento para um medico ou nutricionista, para avaliar mais profunda e devida instituição de terapêutica nutricional.

A temática da terapêutica nutricional no idoso requer empenho e alguma dedicação por parte do pessoal da farmácia, no entanto, trata-se de uma mais-valia para a farmácia poder prestar serviços de acompanhamento doe utentes idosos que contribui de forma determinante para a sua saúde.

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